AUGUSTO DOS ANJOS, O POETA DO ORDINÁRIO




A Paraíba é pródiga em parir, de seu pequenino ventre, mestres da arte em seus mais variados
ramos. Este é o caso especialíssimo de Augusto dos Anjos. Poeta de verve singular e de uma
popularidade espantosa, Augusto, apesar do vocabulário hermético e cheio de referências a obras da literatura oriental, faz uma leitura nua da alma humana, chocando e encantando tanto estudiosos da literatura quanto leitores menos atentos. 
Mas como explicar essa popularidade espantosa, de um poeta que morreu prematuramente aos trinta anos, nos deixando apenas um livro?
Não são poucos os críticos que se debruçaram sobre a obra anjosiana buscando respostas a esse questionamento e a tantos outros que surgem mesmo com a leitura de apenas alguns versos.
Profundo conhecedor da língua portuguesa, homem de erudição pouco comum e de leituras variadas, o poeta de o “Eu”, combina elementos oriundos da Biologia, da Filosofia, da História 
e do cotidiano, criando assim, uma mescla de popular e erudito pouco vista na literatura nacional. Aliás, como disse Carlos Drummond de Andrade, Augusto é o caso singular da literatura brasileira.
Há, no entanto, certa convergência de opinião entre boa parte dos críticos - a maioria classifica a obra dele como sorumbática, pessimista e cientificista. A força desse obscurantismo levaria, portanto, a fazer com que os leitores suscetíveis aceitassem o jugo como verdade absoluta.
Todavia, apesar de ser possível encontrar elementos soturnos na obra de Augusto, não é essa a sua essência. Em primeiro lugar, não existe poesia cientificista. Não há escola literária com esse nome, como há, por exemplo, o Parnasianismo ou o Barroco. Augusto dos Anjos usa elementos oriundos da ciência com uma função específica e metafórica, exercendo papel secundário ao
lado de elementos da vida cotidiana.
Trancafiar a sua poética em uns poucos adjetivos acaba, mesmo que sem intenção, afastando 
novos leitores, influenciando negativamente a autonomia de quem lê. Mas a força que esses estudos têm, levaram o poeta paraibano a ser mais conhecido por “poeta da morte”, “poeta do infortúnio” e “´poeta do hediondo” do que por seu nome. Assim, ler Augusto dos Anjos seria mergulhar em um sorumbatismo profundo, ato que muitos optaram por evitar.
Mas, em meio a tantas visões simplórias de uma obra tão profunda, eclode o ensaio magnífico de Ferreira Gullar (GULLAR, Ferreira. Toda a poesia de Augusto dos Anjos. ), que traz uma visão nova, desmistificando conceitos negativistas e trazendo elementos novos, como o fato de que a reflexão sobre as coisas mais ordinárias da vida é que agigantam a poesia do paraibano.
Essa opinião vem ganhando adeptos a cada dia, pois hoje já se é possível encontrar, até com certa facilidade, leitores, professores e curiosos que não mais comungam da opinião de que Augusto dos Anjos era o “poeta da tristeza”.
Uma prova robusta disso é o trabalho da cantora e compositora brasiliense Marina Andrade.
Marina, que musicou nove poemas do poeta, dando-lhes uma roupagem nova, fazendo deles o cd Versos íntimos, título do mais famoso poema de Augusto. Rock, pop, bossa e até samba 
foram usados por ela para desflorar o que chamo de “invólucro místico” que envolve essa obra estupenda.

Encontrar a música de Marina aliada à poesia de Augusto foi algo mágico. Marina presta, assim,
um grande serviço aos futuros (e atuais) leitores de Augusto dos Anjos, revelando-lhes outra visão sobre a essência de sua poética, com ênfase de que a morte em sua obra nunca é definitiva, como de igual forma as opiniões sobre um livro imortal.


Jairo César Soares.


*Jairo Cézar Soares de Souza nasceu em João Pessoa, em 21 de março de 1977, porém Radicou-se em Sapé desde os primeiros dias de vida. Filho de artista plástico, desde cedo teve contato com as artes. Formou-se em Letras na Universidade Federal da Paraíba em 2004 e exerce há mais de dez anos a profissão de professor de Inglês. Esteve à frente do Memorial Augusto dos Anjos na cidade de Sapé durante 4 anos e participa de atividades ligadas à cultura e na coordenação do festival anual de artes que homenageia Augusto dos Anjos. Livros publicados:Escritos no Ônibus foi vencedor no edital Novos Escritos(ano 2007/2008) realizado pela fundação cultural de João Pessoa, foi um dos vencedores do IV Prêmio Canon de Poesia, concurso Nacional que teve mais de 3 mil poetas inscritos de todo país, e, apenas 50 selecionados. Em 2012, publicou, pela Forma Editorial, Rapunzel e outros poemas da infância. Jairo é ainda membro fundador do CAIXA BAIXA, grupo de jovens escritores paraibanos.Autor de Augusto dos Anjos em Quadrinhos,  atualmente ocupa o cargo de Secretário de Cultura de Sapé.

Comentários

  1. Tributo a Augusto dos Anjos
    quinta-feira, 18 de novembro de 2010
    Marina Andrade conta como escolheu os poemas que musicou
    Versos íntimos - Sempre foi o que mais me chamava a atenção, me intrigava. O poema foi escrito quando Augusto dos Anjos tinha apenas 17 anos. Incrível a sensibilidade da figura. O poema continua forte e atual.

    Psicologia de um vencido - Cantei Augusto em um barzinho na Asa Norte, em uma canja, então um rapaz que estava lá gostou bastante e me pediu para musicar este poema.

    Budismo moderno - Sempre me pareceu com a cara do Noel Rosa. É brincalhão. Tenho uma grande amiga, Marília, que é budista e eu pensei em brincar com ela cantando esse poema musicado.

    Contrastes - Mostra a dimensão dos opostos, próximos que se completam. [A antítese, o novo, o obsoleto, o amor, o ódio e a carnificina, o que o homem ama e o que ele abomina, tudo convém para o homem ser completo]. [Às alegrias juntam-se as tristezas, e o carpinteiro que fabrica as mesas, faz também os caixões dos cemitérios]. Dá até arrepio, mas é por aí mesmo. E eu me identifico com isso.


    Morcego – É muito curioso. O morcego entra imperceptivelmente em nosso quarto e é a nossa consciência que não nos deixa dormir.

    Deus-verme – Ele fala que o ver é o "fator universal do transformismo" e é mesmo. Não foi Einstein que falou que nada se perde, tudo se transforma?

    Solitário - Transformado num blues, por causa da densidade que eu senti nele, tem muita dor ali.

    Eterna mágoa – É outro que mostra a percepção sem medida de Augusto dos Anjos. Parece que ele filtrou todas as dores dos seres e do universo. a mágoa que "transpõe a vida do seu corpo inerme; e quando esse homem se transforma em verme, é essa mágoa que o acompanha ainda".

    Vandalismo – Ele escreveu isso quando tinha 20 anos, em 1904. Vejo luzes dentro das catedrais. As catedrais estão dentro do coração dele. São iluminadas [onde um nume de amor, em serenatas, canta a aleluia virginal das crenças] Aí, de repente, num ato de vandalismo, ele entras nessas catedrais. [E erguendo os gládios e brandindo as hastas, no desespero dos iconoclastas, quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!].
    Postado por Waleska Barbosa às 16:23

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